Minas Gerais recebeu chuvas históricas no início de 2025. A cidade de Ipatinga e região foi um dos lugares mais afetados: receberam 80 mm de chuva em uma hora e cerca de 200 mm em 24 horas, deixando 26 mortos desde dezembro. O nível é extraordinário e causou desastres, alagamentos, deslizamentos e mortes em toda a região.
O desastre mineiro é uma combinação de condições naturais com limitações científicas e falta de infraestrutura da cidade, como explicou William Dantas Vichete, professor do Departamento da Engenharia Ambiental da Unesp Sorocaba, em entrevista ao Portal iG.
Fenômenos naturais
De acordo com o professor, é natural que haja chuvas com grandes precipitações na região do Vale do Aço, e a época é esperada para isso:
“A região do Vale do Aço tem serras, então tem uma condição topográfica que colabora no processo de formação e de intensificação das chuvas. É uma chuva considerada intensa, mas não é excepcional para aquela região.”
Ele explicou melhor o fenômeno: “Aquela região pode sofrer influência de uma condição da atmosfera que chama Zona de Convergência do Atlântico Sul. É uma formação de umidade, como se fosse um rio atmosférico, que traz umidade da Amazônia. Isso pode ter deixado disponível muita umidade na atmosfera naquela região, dada as características que nós vemos ali no Vale do Aço.”
O aumento da temperatura (2024 foi um dos anos com maior aumento de temperatura da cidade) também têm forte influência, pois aumentam a evaporação de água, tendo como consequência volumes maiores concentrados no céu e seguintes precipitações mais fortes.
Dano humano
Porém, existem fatores que influenciam o aumento do volume e a ferocidade das chuvas torrenciais. “Hoje vemos danos porque temos impactos antrópicos e os efeitos de mudanças climáticas, que estão intensificando essas chuvas e mudando os padrões, elas estão se tornando mais recorrentes.
Para o especialista, inclusive, o futuro irá intensificar esse tipo de evento, e causará extremos: áreas com chuvas naturais terão mais eventos e cada vez mais intensos – e o mesmo é verdade para o oposto em regiões de secas, que devem se tornar mais frequentes e cada vez mais longas.
Boa parte disso tem a ver com fatores humanos e mudanças na natureza. O Aquecimento Global é um dos grandes fatores, e outro é a modificação do espaço natural de modo que fique impossível, por exemplo, a chuva escoar ou o fogo ser detido.
“No processo de urbanização e intensificação da mudança do solo, tiramos floresta, colocamos vegetação rasteira, plantações, e aumenta muito o escoamento superficial. A gente olha uma chuva de quinze a dezesseis milímetros que aconteceu no histórico e, quando a gente olha essa mesma chuva ocorrendo hoje, vê danos diferentes, porque a gente tá ocupando o espaço de uma forma que não tá se preocupando com isso.”
Precauções contra a chuva
Vichete acredita que a precaução contra desastres naturais tem duas frentes: ações para preparar o espaço para eventos climáticos e o máximo possível de previsão para prevenção de tragédias. Isso não evita, em si, os acontecimentos, mas pode ajudar as pessoas a se prepararem para quando eles vierem e evitar consequências catastróficas.
“Você sabendo dos locais que têm possibilidade de inundação e alagamento, você consegue retirar as pessoas, paralisar o trânsito, fazer ações que minimizam perdas de vida,” acredita o professor.
Mas não é tão simples assim. Os eventos podem ser difíceis de ser previstos por alguns motivos, como:
- Eventos localizados, como o de Ipatinga, são relativamente pequenos e difíceis de serem localizados;
- Microeventos, que acontecem rapidamente, não são captáveis;
- A ciência não tem nível de precisão ágil para eventos que se desdobram rapidamente.
“A gente vê que as previsões melhoraram muito, numa escala de dias, né? Hoje temos pesquisas que demonstram que é possível melhorar sistemas de previsão com utilização de inteligência artificial. Mas uma hora ou algumas horas é muito difícil. Mas a gente tem que avançar nesses microeventos, porque são tão pontuais, tão específicos e tão [fortes].”
Além disso, é preciso preparar os locais para enfrentar a ferocidade dos eventos climáticos esperados. Cidades, por exemplo, podem criar estruturas de escoamento, piscinões, locais construídos com enxurradas em mente, etc.